... Chego de mansinho, devagar, devagarinho...Olho em volta, tudo está tão escuro, tão calmo, tão simples. De olhos no chão, vejo uma pedra que me lembra um banco e resolvo sentar-me. Já sentado e com a cabeça apoiada sobre as mãos, que por sua vez se apoiam nas pernas pelos cotovelos, começo a olhar a paisagem. Uma imensidão de nada, o mar negro e uma escuridão intensa...Deixo a cabeça apoiada numa só mão e com a outra faço marcas na terra, arranhando-a com movimentos circulares, onde me surge uma pequena pedra, a qual olho com singular atenção...Começo a imaginar para mim mesmo, qual o caminho que esta percorrera ao longo da historia, até ao dia em que eu a apanhei...Já fora ela maior? Fizera ela parte, no passado, duma imensa rocha? Terá surgido aqui? Estou certo que nunca saberei a resposta…Está fria e suja como que um pobre coitado que dormita nas ruas. É irregular e não tem nada de belo, apenas um simples calhau. No entanto despertou-me a atenção...Porque terá sido?
Estou aqui sozinho, no meio desta escuridão natural, iluminado apenas, pela fraca luz da lua e de algumas estrelas, que triunfam pela escuridão das nuvens e imagino como seria se aquela pedra falasse. O que me diria ela? Que lhe diria eu? É uma simples pedra, mas a única coisa que neste momento me ouve, sem restrições, sem critica. Por um lado ainda bem que não fala, quem sabe o problema seja mesmo esse, as pessoas falarem. Estou sozinho e sem ninguém para conversar, mas não me sinto mal...Estou no meu momento de reflexão e preciso mesmo deste vazio.- Sabes pedra? – Murmuro para mim mesmo - A ti e só a ti, posso contar o meu segredo...sem ter medo.É claro que não conto segredo algum, até porque de nada valeria, mas acabo por encontrar uma utilidade para a minha nova amiguinha. Levanto-me de rompante e raspando com a sua face mais afiada sobre o casco duma velha arvore, escrevo o possível, tentando traduzir o conteúdo do meu segredo. A árvore também não fala, contudo contará a quem ali passar, o que guardo dentro de mim. Muitos podem ler, mas ninguém saberá de quem se trata...Agora que já teve a sua utilidade na minha vida, posso desfazer-me da pequena pedra e seguir o meu caminho e nisto, mando-a ao acaso para alguns metros de mim. Estou certo que será útil em mais situações e para mais pessoas quem sabe...Viro costas para regressar, mas sinto algo de errado e que me incomoda. Parece que estou a abandonar um ser humano e afinal de contas é apenas uma pedra. Sinto uma certa tristeza em deixa-la para traz, como se abandonasse uma parte de mim e penso varias vezes se o hei-de fazer...
Mas que posso eu fazer? Leva-la para casa? Que farei eu com ela?Talvez possa tê-la no meu quarto, para me recordar deste intenso e nostálgico episódio da minha vida.
- Sim, é isso mesmo, virá comigo.Chego a casa, cansado e dirijo-me para a casa de banho. Pego na pequena pedra, coloco-a sobre água corrente e lavo-a energeticamente, com a ajuda de uma escova, como que tentando eliminar a sua sujidade natural e sem saber porquê, correm-me momentaneamente lágrimas pela cara abaixo.
Como posso eu estar a agir contra a natureza das coisas – Penso eu durante esses momentos de descarga emocional – Por mais que esfregue, nunca será limpa…
Coloco-a num frasco de vidro, cubro com álcool, tapo e deixo-a na minha mesinha de cabeceira. Assim poderei contempla-la todas as noites.Agora que já me sinto melhor comigo mesmo, estou em condições de me ir deitar, pois amanhã é um novo dia e quero estar recuperado do meu cansaço. Dispo as roupas e atiro-as para bem longe, visto o pijama e dirijo-me para a cama. Antes de me deitar e sentado, olho mais uma vez, para a pequena pedra e contemplo-a por breves instantes...Desligo a luz, deito-me e digo para mim mesmo, sorrindo:- Como é bonita esta pedra...
(Nunixtreme)